Por que a dicotomia entre trabalho e vida precisa ser superada

Por Marcos Marinho


Há anos escuto a pergunta: como encontrar equilíbrio entre trabalho e vida pessoal?
E a cada vez que ela aparece, percebo que talvez estejamos insistindo em um vocabulário que já não dá conta do mundo, nem de quem o habita com desejo de crescer.

Recentemente, li um newsletter da Nataly Kelly, no linkedIn, que me trouxe uma sensação rara de alívio.
Ela, de certo modo, desmonta a metáfora, que me incomodava já a algum tempo, do conceito de work-life balance, propondo algo mais alinhado ao nosso tempo e às pessoas que acompanho de perto: trata-se da lógica da alta performance sustentável.


Não é sobre compensar. É sobre sustentar.

A metáfora da balança sugere que “vida” e “trabalho” são forças opostas, travando uma disputa surda pela sua atenção. Como se amar um projeto significasse negligenciar os filhos. Ou como se tirar férias fosse sempre um sinal de desequilíbrio.

Mas… e se o problema estiver no modo essa balança é compreendida, e não na agenda?

O que me chamou a atenção é que Nataly propõe uma saída mais generosa: abandonar a ideia de sacrifício mútuo e pensar em termos de vida renovável. A excelência não precisa nos custar a alma. Ela pode ser uma fonte de sentido — desde que nos recarregue, em vez de nos sugar.


A lógica dos realizadores

Quem opera com mentalidade de crescimento não pensa em compensações lineares.
Pensa em alavancagem. Em ritmo. Em sustentação.

São pessoas que precisam sentir que estão em progresso para se manterem emocionalmente íntegras. Para esses perfis, a estagnação cansa mais que a intensidade.

A pergunta então pode ser vista de outro modo:



Como estruturar uma vida que me permita viver com presença, produzir com sentido e manter o fôlego emocional ao longo do tempo?


Quatro deslocamentos que fazem a diferença

1. Energia é mais valiosa do que tempo
O dia tem 24 horas para todos. Mas os picos de energia são únicos. Saber usá-los é estratégia, não dom.
Quem aprende a mapear seus momentos de potência e proteger seus períodos de recuperação pode avançar sem se desgastar.

2. Sistemas superam força de vontade
A disciplina não precisa ser heróica. Pequenas rotinas, automatismos saudáveis, processos previsíveis: é isso que mantém a consistência.
Alta performance não nasce da força, nasce da estrutura.

3. Recuperação é um projeto, não um prêmio
Descansar não é parar. É renovar.
Hobbies com metas leves, viagens com propósitos pessoais, aprendizado como prazer — tudo isso é descanso que respeita quem somos.
Cada um com seu estilo de recuperação. Mas nunca por, ou ao acaso.

4. Esforço precisa de alinhamento
Nem todo esforço vale o investimento. Às vezes é preciso dizer não ao bom para ter espaço para o essencial.
A clareza de onde colocar a energia é um ato de maturidade. De inteligência vital.


A armadilha do modelo antigo

O antigo modelo de equilíbrio nos leva à culpa crônica:
— Por gostar demais do trabalho.
— Por estar pouco presente.
— Por se ausentar com o corpo, mas não com a mente.

Esse script exaure, não pelo excesso de atividade, mas pela sensação constante de inadequação.
É como se estivéssemos sempre devendo presença a algum lado da vida.


Caráter: o sistema operacional invisível

No fim de seu texto, Kelly entrega o que talvez seja o ponto que mais me chamou a atenção em sua proposta:
alta performance sem caráter não se sustenta.

E não se trata de moralismo. Trata-se mais de discernimento.
Porque o mundo vai oferecer atalhos. E em contextos multiculturais, nem sempre o que é permitido é coerente com quem somos.

Seu caráter, nesse contexto, é a sua bússola silenciosa.
Ele define o que você aceita fazer quando ninguém está olhando.
E também o que você recusa, mesmo quando parece vantajoso.


Para concluir: menos compensação, mais construção

O que proponho, inspirado pela leitura e pelas escutas que atravesso diariamente, é um convite à mudança no ângulo de visão:

  • Menos vigilância de horas, mais vigilância de vitalidade.
  • Menos tentativas de agradar, mais intenção nas escolhas.
  • Menos sacrifícios simbólicos, mais acordos internos sustentáveis.

Não estamos aqui para pesar a vida em gramas.

Estamos aqui para ocupá-la com inteireza. E, se possível, com serenidade.


© Marcos Marinho – Psicólogo | Consultor Estratégico em Carreira e Liderança – Este texto abre e integra as publicações da série exclusiva para assinantes *Perspectivas para uma Vida Sustentável de Alta Performance* aqui mesmo no site marcosmarinho.com



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