
Peter Drucker nunca disse que “a cultura come a estratégia no café da manhã”, mas a frase pegou. Talvez porque, intuitivamente, compreendemos que planos brilhantes e metodologias bem desenhadas são facilmente engolidos por dinâmicas organizacionais profundamente enraizadas. Mas, se quisermos uma leitura ainda mais precisa, talvez devêssemos reformular: os sistemas comem as táticas no café da manhã.
A Ilusão das Boas Ideias
É fácil nos encantarmos com soluções inovadoras e metodologias transformadoras. São como pratos sofisticados servidos à mesa de uma organização – bonitos, cheios de promessas, mas rapidamente devorados pelas engrenagens invisíveis que realmente comandam o funcionamento da empresa.
Estratégia, tática e cultura são temas recorrentes no mundo corporativo. Mas o que realmente sustenta e perpetua uma organização não são apenas seus valores declarados ou suas ações pontuais, e sim os sistemas que regem sua operação — muitas vezes invisíveis, mas onipresentes.
Por que sistemas engolem táticas?
Os sistemas são como a correnteza de um rio: definem a direção e a velocidade com que as coisas acontecem, independentemente de quantos barcos tentem remar contra. Eles são o conjunto de processos, incentivos, fluxos de decisão e estruturas de poder que determinam “como as coisas realmente funcionam por aqui”.
E o impacto disso? Se um sistema favorece hierarquia rígida, qualquer tentativa de implementar metodologias ágeis será apenas um verniz superficial. Se um sistema recompensa conformidade, ideias inovadoras serão vistas como ameaças, e não como oportunidades. Se uma organização prega diversidade, mas seus critérios de promoção seguem favorecendo um único perfil, a inclusão será apenas um discurso vazio.
Quantas empresas lançam programas de transformação digital, mas mantêm um sistema de tomada de decisão lento e burocrático? Quantas adotam metodologias ágeis, mas exigem que cada mudança passe por múltiplos comitês de aprovação? O problema nunca é a falta de boas ideias, mas a incompatibilidade entre as novas táticas e os sistemas vigentes.
O erro das mudanças cosméticas
Mudanças reais exigem coragem para mexer no que é estrutural. Empresas adoram anunciar mudanças, mas, quando os sistemas permanecem intocados, tudo volta ao ponto de partida.
Se uma empresa decide fomentar uma cultura de feedback aberto, mas seus sistemas de promoção continuam favorecendo apenas aqueles que jogam conforme as regras políticas, a mensagem se esvazia. Se um profissional quer mudar de carreira, mas mantém os mesmos hábitos, os mesmos contatos e a mesma mentalidade, a transição será apenas uma ilusão de mudança.
Táticas isoladas sem suporte sistêmico são como folhas ao vento. Temporárias, incertas e frequentemente irrelevantes.
O que fazer, então?
- Diagnosticar os sistemas vigentes: Antes de propor qualquer mudança, compreender o que realmente estrutura as decisões e comportamentos no ambiente em questão. Sem esse diagnóstico, qualquer iniciativa é mero improviso.
- Ajustar sistemas antes de implementar táticas: Se um novo modelo de liderança for proposto, mas os incentivos não forem alterados, ele será rapidamente esvaziado. Se a intenção é fortalecer a inovação, mas o reconhecimento interno ainda privilegia os resultados de curto prazo, o discurso será apenas retórica.
- Criar novos padrões de tomada de decisão: A cultura organizacional muda quando os sistemas mudam — e não o contrário. Novos valores precisam ser traduzidos em mecanismos concretos que influenciem comportamentos no dia a dia.
- Sustentar a coerência no longo prazo: Mudanças reais exigem consistência e persistência. Se o sistema antigo persiste, qualquer nova abordagem será apenas uma anedota passageira.
O Teste do Tempo
Estratégia e cultura moldam a identidade de uma organização, mas são os sistemas que definem sua realidade. São eles que determinam o que se enraíza e o que se dissipa como mais um discurso vazio.
Ideias brilhantes e metodologias inovadoras podem inspirar no curto prazo, mas, sem sistemas que as sustentem, tornam-se apenas slogans motivacionais presos na parede — ignorados na rotina diária.
A verdadeira transformação não começa na superfície, mas na fundação. Antes de mudar o plano, ajuste as engrenagens que o fazem funcionar. É nelas que a mudança deixa de ser efêmera e se torna permanente.

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