
Edição para assinantes – 18 de junho de 2025
Há algo de profundamente silencioso no instante posterior à conquista. Um tipo de vazio. Um eco que não esperávamos ouvir.
Você chegou. Parabéns.
A sala mudou de lugar. O crachá mudou de cor. O sobrenome agora é precedido de uma sigla nova. Os aplausos vieram — com emojis, brindes e afagos. No entanto, uma pergunta incômoda sussurra, entre um café e um e-mail:
“Era isso que eu queria mesmo? E se, no fundo, eu não for exatamente essa imagem que agora esperam de mim?”
Não se trata de síndrome do impostor, tampouco de ingratidão com a conquista que você acabou de obter. É um fenômeno mais sutil e maduro: a consciência de que a conquista não basta se ela não dialoga com o que nos move internamente.
- Dê nome ao hiato
Nem sempre o vazio que se instala após uma conquista é sinal de erro. Às vezes, é apenas um espaço que se abre entre o que o mundo ao seu redor celebrou — e o que você esperava sentir de fato.
Essa fenda entre o reconhecimento externo e o significado interno merece ser nomeada. É o primeiro gesto ético com sua própria história: reconhecer que o sucesso público pode coexistir com um silêncio privado e que talvez eles ainda estejam desalinhados.
Talvez o nome seja mesmo “desalinho”, “exaustão simbólica” ou simplesmente “e agora?”. O importante é dar voz à sensação — porque o que não é nomeado, nos governa por dentro.
- Volte ao que te move, não ao que te promove
Há degraus que subimos por coerência curricular ou um plano estruturado de carreira feito anos atrás, mas que pode não revelar o desejo verdadeiro no presente. O sentido das coisas que nos acontece raramente é uma linha reta. Ele pulsa. Ele desafia e… desalinha.
Quais eram suas perguntas antes dos cargos? Antes das metas?
O que fazia você vibrar quando o futuro ainda era um esboço, e ninguém esperava desempenho, apenas presença?
Sentido não é sinônimo de ascensão. Às vezes, ele habita os desvios, os inacabados, as dúvidas. E só retorna quando voltamos a conversar com o desejo que existia antes dos títulos e posições.
- Transforme função em projeto de vida
Uma função / posição é uma estrutura. Um projeto de vida é uma autoria.
Não importa o quão estratégica seja a posição, ela ainda é um cenário, não o enredo. O que você pretende inscrever nesse novo ciclo? Qual traço seu pode deixar marcas que não cabem no organograma?
Não espere que a organização legitime seu sentido. Crie micro espaços de autenticidade: uma escuta atenta num corredor apressado, uma pausa para olhar nos olhos, uma pergunta verdadeira que reabra o humano em nós e nos outros.
Seu cargo é um palco, mas o texto ainda pode ser reescrito — por você.
- Convide pessoas para caminhar com você
A solidão é uma armadilha frequente dos que ascendem. Espera-se deles a tal “imagem de segurança permanente”. Mas a potência do líder não está na onipotência, e sim na capacidade de manter-se humano enquanto ocupa o cargo.
Acolha as suas dúvidas com dignidade. Compartilhe com quem sabe escutar sem tentar consertar.
Lidere com presença, não com pose. A autenticidade, hoje, é a única forma real de influência duradoura. Permita que outros coescrevam esse novo ciclo com você — pois o que é construído a muitas mãos tende a durar mais que uma temporada de KPIs.
- Não adie o cuidado com o que é invisível
Transições trazem com elas um risco implícito: o de perder-se de si enquanto tenta provar-se aos outros. É uma forma sofisticada de autoabandono e negligência consigo.
Preserve um espaço, pelo menos um só, onde você não precise performar. Onde você possa simplesmente ser.
Cuide da sua energia com o mesmo zelo com que cuida dos seus indicadores. Porque ela é, na verdade, o seu principal ativo estratégico. E, ao contrário do que vendem os gurus da produtividade, energia não se otimiza com planilhas, ela se regenera com significado, afeto e pausas.
Uma pergunta para quem já chegou
Você já sentiu isso? Um tipo de vazio inexplicável, um estranhamento, depois de uma vitória?
Caso, sim, saiba que não está só. Esses hiatos podem ser mais do que desconfortos. Podem ser convites. Convites para resgatar quem você é por trás da função/posição. Para lembrar que sua história não é apenas uma sucessão de degraus, mas uma travessia íntima por paisagens que o currículo não descreve.
Se quiser, escreva-me. Conte sua experiência. Ela pode ser o mapa silencioso de alguém que continua tentando entender para onde vai… após ter finalmente chegado.
Com consideração e escuta,
Marcos Marinho
Psicólogo Estratégico | Trusted Advisor em Transições de Carreira
Membro do Conselho Consultivo da Harvard Business Review

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